quinta-feira, 15 de maio de 2008

Sonhos Cruzados - parte V

(continuação de Sonhos Cruzados – partes I, II, III e IV)

Acordou pouco depois da hora habitual a que acordava durante a semana.

Procurou recordar o sonho da noite para ver se a carta que tinha enviado à morena tinha chegado intacta ao seu destinatário, e para ver se esta lhe tinha enviado alguma resposta…

Apercebeu-se da inutilidade dos seus esforços do dia anterior, mas foi com bastante entusiasmo que recordou o exacto número de unhas que a morena de cabelo comprido e olhos castanhos pintara de vermelho bem vivo.

Sentiu-se bastante satisfeita com o facto de terem encontrado uma forma de comunicar, mas haveria tempo para voltar a pensar no assunto durante a tarde, por isso voltou a fechar os olhos na tentativa de aproveitar a manhã de sábado para se recompor do cansaço acumulado ao longo da semana.

Acordou pouco depois da hora habitual a que acordava durante a semana.

Procurou recordar o sonho da noite para ver se tinha havido alguma evolução… mas desta vez o sonho fora estranhamente curto… apenas um acordar para voltar a adormecer numa manhã de sábado… optou por não pensar muito no assunto e resolveu, seguindo o exemplo da loira, fechar os olhos na tentativa de aproveitar a manhã de sábado para se recompor do cansaço acumulado ao longo da semana.

Acordou com o toque da campainha da porta. Os sucessivos toques das campainhas dos apartamentos vizinhos permitiram-lhe deduzir tratar-se de alguém a distribuir publicidade…

Acordou com o toque da campainha da porta. Os sucessivos toques das campainhas dos apartamentos vizinhos permitiram-lhe deduzir tratar-se de alguém a distribuir publicidade…

Não tinha de se incomodar, algum dos seus vizinhos ou vizinhas abriria a porta, mas sentia-se estranha, por isso levantou-se e dirigiu-se à casa de banho de olhos meio fechados…

Não tinha de se incomodar, algum dos seus vizinhos ou vizinhas abriria a porta, mas sentia-se estranha, por isso levantou-se e dirigiu-se à casa de banho de olhos meio fechados…

Sentiu-se perdida no quarto e foi com alguma dificuldade que acabou por dar com a porta da casa de banho. Sentia-se cada vez mais estranha…

Sentiu-se perdida no quarto e foi com alguma dificuldade que acabou por dar com a porta da casa de banho. Sentia-se cada vez mais estranha…

Levou as mãos à cara e depois ao cabelo… de repente sentiu o seu mundo desabar…

Levou as mãos à cara e depois ao cabelo… de repente sentiu o seu mundo desabar…

Numa súbita urgência de negar com os olhos a afirmação transmitida pelo tacto, correu a mão pela parede pelo lado de fora da porta da casa de banho até encontrar o interruptor…

Numa súbita urgência de negar com os olhos a afirmação transmitida pelo tacto, correu a mão pela parede pelo lado de fora da porta da casa de banho até encontrar o interruptor…

Com a mão a proteger os olhos da súbita luminosidade olhou-se ao espelho e deixou escapar um grito de horror…

Com a mão a proteger os olhos da súbita luminosidade olhou-se ao espelho e deixou escapar um grito de horror…

Do lado de lá olhavam-na uns olhos castanhos plantados numa cara morena de cabelo escuro comprido, emaranhado pela almofada…

Do lado de lá olhavam-na uns olhos azuis plantados numa cara branca de cabelo loiro e curto, levemente desalinhado pela almofada…

Puxou o cabelo para a frente dos olhos para ter a certeza de que não estava a ser enganada pelo espelho… mas não, lá estava o cabelo comprido e escuro…

Agarrou nuns quantos cabelos e arrancou-os para os poder olhar directamente e ter a certeza de que não estava a ser enganada pelo espelho… mas não, eram bem loiros aqueles cabelos entre os seus dedos, como era viva a dor de onde acabara de os arrancar…

Incrédula, recuou até à porta da casa de banho e deteve-se um pouco a olhar à sua volta.

Incrédula, recuou até à porta da casa de banho e deteve-se um pouco a olhar à sua volta.

Virou-se para o quarto, vagamente iluminado pela luz atrás de si e, de novo, olhou à volta.

Virou-se para o quarto, vagamente iluminado pela luz atrás de si e, de novo, olhou à volta.

Saiu apressadamente do quarto e percorreu a casa toda olhando vagamente em todas as direcções…

Saiu apressadamente do quarto e percorreu a casa toda olhando vagamente em todas as direcções…

Não havia dúvida, estava na casa da morena!…

Não havia dúvida, estava na casa da loira!…

Encostada numa parede deixou-se deslizar até ficar sentada no chão.

Encostada numa parede deixou-se deslizar até ficar sentada no chão.

Tentou recordar-se do seu nome… mas por mais que tentasse só conseguia lembrar-se do nome da morena…

Tentou recordar-se do seu nome… mas por mais que tentasse só conseguia lembrar-se do nome da loira…

Não havia dúvida, estava no corpo da morena… no mundo da morena... e com as memórias da morena!...

Não havia dúvida, estava no corpo da loira… no mundo da loira... e com as memórias da loira!...

***

Não voltou a saber da loira de cabelo curto e olhos azuis, nem mesmo em sonhos.

Não voltou a saber da morena de cabelo comprido e olhos castanhos, nem mesmo em sonhos.

FIM

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sonhos Cruzados – parte IV

(continuação de Sonhos Cruzados – partes I, II e III)

Por alguns instantes, ali sentada na cama, apoderou-se dela uma enorme frustração pela inutilidade daquele trabalho, como se tivesse sido ela própria a tê-lo e não a loira de cabelo curto e olhos azuis. Tantas horas de cuidadosa dedicação e memorização… e tudo para nada!…

Depois, pensando melhor, concluiu que aquela tinha sido apenas a primeira etapa de um caminho de descoberta, do qual não podia desistir logo ao primeiro fracasso! Não, de facto desistir não fazia o género dela.

Enquanto tomava o banho matinal foi tentando organizar as ideias e tentando descobrir alguma porta entreaberta, ou a ponta de um véu que pudesse levantar para, finalmente, revelar os segredos escondidos…

Lembrou-se da possibilidade de recorrer a algum evento desportivo, social, ou político de nível mundial. Mesmo que não conseguissem estabelecer um outro tipo de contacto, talvez fosse possível encontrarem-se em algum local que ambas conseguissem estabelecer como referência…

Foi então que se deu conta de que se recordava com bastante detalhe de todas as caras que se haviam cruzado na frente dos olhos azuis da loira de cabelo curto. E também as caras que se haviam cruzado na frente dos seus olhos castanhos apareciam claras nas imagens recordadas dos sonhos da loira.

Foi tentando identificar outros detalhes dos quais se recordava com clareza para depois procurar alguma forma de os usar para passar informação… lembrava-se das roupas que a outra vestia, da cor do batom, do verniz das unhas, daquilo que comia… “o verniz das unhas!” exclamou em voz alta… Sim, essa poderia ser uma forma!...

Saiu rapidamente do banho e, depois de se secar cuidadosamente, pintou algumas unhas das mãos, o mesmo número de unhas do primeiro dígito do seu número de telefone, começando pelo indicativo internacional. Se o esquema funcionasse, e se a loira seguisse o exemplo, bastariam alguns dias para ambas saberem em que países viviam. Depois, com mais alguns dias, teriam o número de telefone completo e poderiam, finalmente, entrar em contacto.

Sentiu-se ridícula assim com algumas unhas pintadas e outras por pintar… e certamente iria ser alvo da curiosidade dos colegas no laboratório, mas tudo isso lhe parecia pouco importante face ao objectivo em vista… De qualquer modo, tal como vinha acontecendo nas últimas semanas, o volume de trabalho que a esperava não deixaria muitas oportunidades para alimentar conversas à volta do assunto.

Chegou a casa já bastante tarde. Tinha conseguido terminar todo o trabalho que se havia proposto fazer, mas agora estava muito cansada… Felizmente era sexta-feira!... no dia seguinte poderia descansar um pouco mais… e poderia voltar a pensar na loira de cabelo curto e olhos azuis, e nas possíveis formas de com ela comunicar. Mas, para já, era urgente descansar… e era também urgente que a loira acordasse…

Não teve dificuldade em adormecer.

(continua, mas o fim está próximo)

sábado, 3 de maio de 2008

Sonhos Cruzados - parte III

(continuação de Sonhos Cruzados – parte I e parte II)

Ali continuou sentada, na beira da cama, tentando encontrar uma explicação… Era como se tanto ela como a morena do sonho fossem, de facto, pessoas reais… duas pessoas ligadas uma à outra, de tal forma que enquanto uma vivia o seu dia, a outra sonhava, na sua noite, aquele dia vivido…

Como seria possível uma coisa assim?... que magias?... que deuses?... que demónios?... que forças ocultas estariam por detrás de uma tal ligação?... e porquê ela?... porquê elas?! E quem seria a morena?... onde viveria?... em que país e em que cidade?...

Fechou os olhos e esforçou-se por se lembrar de algum detalhe que lhe pudesse dar uma pista. Assim foi percorrendo os sonhos das últimas duas noites, tentando encontrar alguma informação que lhe permitisse ter uma ideia acerca do local onde vivia a morena de cabelo comprido e olhos castanhos. Mas por mais que tentasse, e apesar de a maior parte das imagens daqueles sonhos lhe aparecerem tão claras como se tivesse sido ela a vê-las com os seus próprios olhos, não conseguia recordar qualquer detalhe que a pudesse ajudar naquela tarefa. Além disso, continuava a não conseguir recordar o nome da morena nem língua que falava.

Estava num beco sem saída… o local onde a outra vivia poderia ser um entre muitos milhares espalhados pelo globo… e mesmo que a fisionomia dela e das outras pessoas com quem se cruzara lhe permitissem excluir algumas zonas do globo, ficavam ainda muitas outras possibilidades.

Saiu da cama enquanto continuava a pensar numa forma de sair daquele impasse. Enquanto tomava o banho matinal, que desta vez não servia de despertador, pois o seu cérebro começara a trabalhar a todo o vapor assim que acordara, tomou uma decisão. Ao longo do dia trataria de plantar nas suas memórias várias referências que, depois de sonhadas pela morena, poderiam dar a esta alguma referência. Já que ela não conseguira recordar-se de qualquer informação útil, talvez conseguisse passar à outra informações sobre ela própria.

Sentada no autocarro, a caminho do escritório, foi pensado como seria aquele hipotético futuro encontro entre ela e a morena… de que forma influenciaria as suas vidas?... de que falariam?... conseguiriam comunicar-se numa língua que ambas entendessem?... e como sonhariam depois esse encontro?...

Ocorreu-lhe que a morena poderia viver precisamente do outro lado do planeta… a noite de uma coincidindo com o dia da outra… e a vigília de uma com o sono e o sonho da outra…

Já no escritório ligou o computador e começou a navegar pela internet procurando fotografias e descrições dos locais e dos monumentos mais simbólicos do país. Juntou tudo num documento, no qual acrescentou uma página onde, em letras bem grandes, escreveu o nome do país e da cidade em que vivia. Ao longo do dia, foi visitando várias vezes este documento, percorrendo cuidadosamente cada página, para garantir que este ficaria devidamente implantado na sua memória.

Quando o paquete interno do escritório lhe trouxe a correspondência do dia, sorriu ao pensar que o que estava a tentar fazer era, nada mais, nada menos, que enviar uma carta à morena de cabelo comprido e olhos castanhos. Não estava a usar o serviço dos correios, nem colocara qualquer endereço de destino, mas, ainda assim, era de uma carta que se tratava, e sabia que seria recebida pelo destinatário pretendido.

Foi com muita expectativa que, já em casa, esperou pelo sono que, assim esperava, haveria de levar à morena toda aquela preciosa informação. No entanto, a expectativa e o sono não costumam ser bons companheiros, e era já bastante tarde quando finalmente conseguiu adormecer.

O despertador arrancou-a do sono à hora habitual de qualquer dia de trabalho. Preparava-se para sair da cama quando lhe vieram à memória as primeiras imagens daquele sonho… tinha sonhado de novo com a loira de cabelo curto e olhos azuis…

Ali continuou sentada, na beira da cama, relembrando cada detalhe do sonho… o beliscão no braço, as conclusões a que a outra tinha chegado, a tentativa de saber alguma coisa sobre ela própria e, finalmente, a tentativa de lhe enviar uma carta com informações sobre o local onde vivia…

Tentou então lembrar-se daquelas páginas daquela carta que a loira lhe tentara enviar, mas, por mais que se esforçasse, não conseguiu recordar nem o que estava escrito nem as imagens das fotografias tão criteriosamente seleccionadas…

(continua)