quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Questões de Calendário

Apenas uma convenção… sim, é apenas uma convenção, como tantas outras, esta forma de medir o tempo. Mas medir o tempo é importante, e é necessário, por isso é perfeitamente natural que se use para esse efeito, como uma das unidades base, o tempo que a Terra demora a completar uma volta em torno do Sol. Apesar de a noção de Ano ser muito anterior à descoberta do movimento de translação da Terra em torno do Sol, a verdade é que os vários calendários criados pelo homem quase sempre se basearam no ciclo repetitivo das estações e, consequentemente, estão associados a esse movimento.

Esta definição, aparentemente simples, implicou, no entanto, várias dificuldades desde os primeiros calendários até ao Calendário Gregoriano que utilizamos actualmente. Estas dificuldades resultaram do facto de o tempo necessário para a Terra percorrer uma órbita completa em torno do Sol não se poder medir num número inteiro de dias. Mais concretamente, o Ano Tropical tem uma duração de 365,24218967 dias, ou 365 dias 5 horas 48 minutos e um pouco mais de 45 segundos. Este facto levou à necessidade da introdução de anos bissextos como forma de compensar a diferença.

No entanto, apesar destas correcções, e devido ao facto de o período orbital da Terra não ser constante, existe a necessidade de, ocasionalmente, introduzir correcções adicionais. Nesse sentido o ano de 2008 terá um segundo adicional, acrescentado nos instantes finais que antecedem a passagem para 2009. Por isso quando fizerem a contagem decrescente de despedida de 2008 e boas vindas de 2009, não se esqueçam de contar da seguinte forma: dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um, um, ZERO!

Já agora, seguindo as convenções do Calendário Gregoriano, o Cantinho dos Devaneios faz hoje exactamente um ano, o que, tendo sido 2008 um ano bissexto, equivale a 366 dias. Não que isso tenha alguma especial importância, apenas a consequência de uma convenção…

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Pequenos prazeres

A vida é feita de pequenos prazeres. São estes que, em grande medida, nos fazem felizes.

Por esta razão este Cantinho tem agora um novo vizinho, o Cantinho dos pequenos prazeres, que aguarda a vossa visita.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Quatro pontos brancos



No dia em que apresentou o livro em Lisboa, no CCB, o autor referia-se, a certa altura, à grave doença que o atormentou entre fins de 2007 e início de 2008.

Numa das piores fases da doença lembra-se de te visto quatro pontos brancos. Não, não eram pontos de luz, apenas pontos brancos, quatro pontos brancos em forma de um quadrilátero irregular. Coloca as mãos à sua frente, a cerca de 20 a 30 centímetros uma da outra, com o indicador e o polegar apontando a audiência e formando os contornos da letra ‘C’, os polegares por baixo e os indicadores em cima, com a distância entre os polegares maior que a distância entre os indicadores, formando, com as pontas daqueles quatro dedos, uma réplica do tal quadrilátero irregular.

“Não sei porquê, nem qual o significado, mas soube que era eu naqueles quatro pontos.” Não terão sido estas, exactamente, as palavras utilizadas pelo autor, que a memória já muitas vezes me atraiçoa, mas foi esta a ideia transmitida. Quatro pontos brancos…

Na dedicatória do livro pode ler-se “A Pilar, que não deixou que eu morresse”. Obrigado Pilar!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O Coleccionador – parte V

(Continuação de O Coleccionador – parte I, parte II, parte III e parte IV)

Ligou a máquina no modo de visualização e o mostrador iluminou-se com a última foto que tinha tirado. Não, não queria ainda ver a última, gostava de rever as fotos pela ordem em que tinham sido tiradas, por isso pressionou mais alguns botões e começou a passar as fotos uma a uma.

A mulher que sobe apressadamente a avenida, o condutor que gesticula em protesto contra outro condutor, a mulher que corre carregada de sacos para apanhar o autocarro…

… Senhora Amélia Antunes, gabinete três…

… a professora que lidera uma fila indiana de crianças, a fila indiana, a criança reguila que teima em sair da fila, a outra professora que fecha a fila indiana, o homem que faz sinal a um táxi, o sem abrigo que dorme indiferente num dos bancos de jardim que ladeiam a avenida…

… Senhora Joana Mendonça, gabinete um…

… dois adolescentes que falam animadamente e sem pressa de chegar a casa, o arrumador de carros que faz sinal junto a uma interrupção no contínuo de carros estacionados, o condutor que meio dentro do carro buzina para que lhe venham desimpedir o caminho de saída do local onde estacionou…

Repentinamente um clarão inundou a sala de espera. Levantou os olhos em direcção à porta de entrada a tempo de ver a silhueta fugaz de um homem que, no corredor do lado de fora da sala, inicia o percurso em direcção à saída do consultório. Reconhece naquela silhueta a mesma cara que ao longo dos últimos dias vira inúmeras vezes nas onze fotos que aquele software tinha identificado no computador de casa.

Num impulso meteu a máquina fotográfica na mochila e correu em direcção à porta. Estranhou o facto de a mulher sentada dois lugares à sua esquerda também se ter levantado e correr atrás dele, mas para já a sua preocupação era apenas a de alcançar aquele homem. Atravessou a sala, percorreu o corredor em direcção à porta de saída do consultório, galgou os dois lanços de escadas que o separavam da saída do prédio e deteve-se no passeio da avenida. Apenas uma fracção de segundo depois a mulher imobilizou-se ofegante à sua esquerda, enquanto ambos olhavam para um lado e para o outro.

“Ali!...” disse ele em voz alta, na certeza de que a mulher procurava exactamente o mesmo que ele. Correram os dois pela avenida acima em perseguição daquela figura que se afastava num passo apressado.

Ao chegar perto do homem gritou-lhe “Espere!” e pegou-lhe no braço esquerdo, fazendo com que ele se virasse.

Pararam os três encarando-se e medindo-se mutuamente. Ficaram ali imóveis durante alguns segundos, o homem com ar sereno, à espera, e eles os dois ainda ofegantes da perseguição.

Percebendo que era a ele que cabia quebrar aquele impasse, fez uma última inspiração profunda e perguntou “Diga-me, o que foi fazer ali ao consultório? Também é coleccionador de caras?...”

O homem olhou para os dois e sorriu. Retirou a pequena máquina fotográfica do bolso, carregou em alguns botões e virou-a de forma a mostrar-lhes a imagem onde os dois apareciam sentados na sala de espera. “Não, não sou coleccionador de caras nem de nomes, sou coleccionador de coleccionadores… e hoje apanhei dois de uma só vez!” Virou as costas e seguiu avenida acima no mesmo passo apressado.

Fim