domingo, 25 de janeiro de 2009

O viajante – parte III

(Continuação de O viajante – Parte I e Parte II)

Fechou o painel do STTI e flutuou de volta à cadeira. As implicações daquela avaria poderiam ser dramáticas se estivesse longe da Terra, mas poderiam ser insignificantes se estivesse relativamente perto.

Sabia que teria de utilizar o STTA para regressar à Terra e que isso implicaria viajar para o futuro. Mas se estivesse relativamente perto, a alguns dias ou mesmo meses-luz, distância suficiente para o Sol não parecer muito diferente de qualquer outra estrela, essa viagem no tempo seria relativamente curta e, portanto, sem impacto significativo. Se estivesse longe...

De nada lhe adiantava entrar em desespero, não só porque o desespero em nada o ajudaria, mas também porque não gostava de se preocupar em vão com situações hipotéticas. Antes de mais era urgente saber onde estava e para isso teria de instruir o computador para que executasse o programa de localização.

Censurou-se por não ter iniciado o programa de cálculo mais cedo. Poderia ter poupado alguns minutos de incerteza… Sentou-se de novo na cadeira e apertou o cinto para evitar ser empurrado para fora dela à medida que se fosse movimentando para introduzir no computador as instruções necessárias à execução do programa de cálculo da posição.

Com as instruções dadas recostou-se na cadeira para esperar pelos resultados e percorreu mentalmente os procedimentos que teria de executar.

O cálculo da posição era um processo moroso que envolvia cálculos e processamentos complexos, por isso sabia que tinha cerca de oito a dez minutos de espera. O computador teria de analisar várias fotos tiradas pelas câmaras existentes no exterior da nave, comparando-as com os padrões conhecidos de várias constelações de estrelas, e comparando o espectro luminoso de cada estrela fotografada com o espectro conhecido de um conjunto de estrelas de referência. Depois de identificadas várias estrelas, em função da posição relativa de cada uma dessas estrelas, calcularia, então, a posição aproximada do local no espaço onde se encontravam.

Este primeiro cálculo não era muito exacto, tipicamente com uma margem de erro de cerca de dez por cento, mas serviria para saber se estava muito longe. No entanto, para usar o sistema de teletransporte teria de determinar com maior precisão a sua localização e a sua velocidade relativa. Naturalmente, num universo sem coordenadas absolutas e onde tudo tem de ser medido em relação a um referencial, a programação das coordenadas de destino no sistema de teletransporte teria de ser feita com o conhecimento da posição, tão exacta quanto possível, em relação ao destino pretendido.

Para saber com maior exactidão a sua posição, teria de usar o sistema de teletransporte para se deslocar para um local a algumas horas-luz de distância. Neste novo local a repetição da análise das posições das estrelas, em conjunto com a informação anteriormente recolhida e o cálculo por triangulação, permitiria determinar com bastante precisão a posição em que se encontrava.

Depois, para saber aproximadamente a velocidade, teria de esperar algumas horas e então repetir a análise estelar. O cálculo da diferença de posições permitiria determinar a velocidade.

Não querendo que o seu pensamento se arrastasse para a possibilidade de se encontrar demasiado longe da Terra, olhou pela janela para o exterior da nave. Vieram-lhe à memória os seus tempos de criança quando o pai o levava para o campo, em noites escuras de verão, para se deitarem no chão e ficarem ali a contemplar o céu e a contar estrelas cadentes. Sabia que não poderia ver estrelas cadentes neste local, mas a intensidade e o número daqueles pontos brilhantes era muito mais grandioso que qualquer imagem que tinha guardada como memória daquele tempo.

Apagou a luz da cabina, desligou o monitor do computador, libertou-se da cadeira e encostou a testa ao vidro da janela. Por momentos, naquela quase completa escuridão, com o corpo livre e sem peso, e com o campo de visão completamente preenchido com aquela paisagem estelar, sentiu uma sensação indescritível... como se aquele lugar existisse apenas para ele... como se fosse um insignificante grão de poeira cósmica...

Nem se deu conta de quanto tempo tinha ficado ali, completamente imóvel com o campo de visão rodando muito lentamente acompanhando um muito ligeiro movimento de rotação da nave sobre si própria.

Como que acordado de um sonho, voltou de novo a atenção para o computador e, segurando-se à cadeira, ligou o ecrã. Pouco depois a imagem mostra-lhe a sua localização em coordenadas polares, constituída por dois valores angulares e um valor de distância, uma distância de duzentos e sessenta e oito vírgula sete anos-luz...

(Continua)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O viajante – parte II

(Continuação de O viajante – Parte I)

"Erro no Sistema de Teletransporte Instantâneo". Esta mensagem dizia-lhe exactamente aquilo que ele já tinha percebido por si só, o sistema de teletransporte tinha tido uma falha.

Tinha essa capacidade de manter a calma, mesmo nas situações mais complexas, por isso mesmo tinha sido escolhido para aquela missão. A situação podia ser muito séria, ou tudo podia não passar de uma pequena anomalia que facilmente se poderia solucionar, por isso respirou fundo e dirigiu a sua atenção para o computador. Acedeu à área de testes e deu instruções para a execução das rotinas de teste e diagnóstico do sistema de teletransporte.

Enquanto esperava pelos resultados foi pensando nas possíveis razões para a situação em que se encontrava. Desde que haviam sido descobertos e divulgados os mecanismos de base do teletransporte, ele tinha-se empenhado em compreender o seu funcionamento, e tinha mesmo integrado a equipa de cientistas que tinha concebido e construído os primeiros protótipos. O sistema que fora colocado nesta nave não era muito diferente desses primeiros protótipos, além disso, como parte integrante do seu treino, ele tinha estudado exaustivamente todos os sistemas colocados a bordo. Esses conhecimentos poderiam revelar-se, agora, muito preciosos.

Os sistemas de teletransporte tinham sido descobertos há pouco mais de quatro anos por duas equipas independentes de cientistas. Estas equipas tinham descoberto, de forma totalmente independente, dois fenómenos físicos distintos que permitiam, cada um deles, a possibilidade de transportar matéria de um local no espaço para outro local distinto, sem a necessidade de percorrer o espaço tridimensional entre esses dois locais. Curiosamente nenhum destes sistemas seguia as linhas de investigação que, até então, a ciência e a ficção científica vinham explorando.

Apesar de terem sido descobertos quase em simultâneo, os dois sistemas eram completamente distintos. O primeiro, conhecido como Sistema de Teletransporte Instantâneo (STTI), permitia o transporte quase instantâneo de matéria entre dois locais, no entanto era bastante complexo e exigia a utilização de dispositivos de alta tecnologia, combinados numa máquina pesada e volumosa.

O segundo sistema de teletransporte, conhecido por Sistema de Teletransporte Adiado (STTA), era consideravelmente mais simples que o primeiro, no entanto a sua utilização obrigava a que uma viagem no espaço fosse também acompanhada por uma viagem no Tempo. Um viajante que utilizasse este sistema poderia ser transportado de um local no espaço para outro, mas enquanto para ele essa viagem seria praticamente instantânea, para um observador externo ela demoraria algum tempo. Este tempo dependia de vários factores de difícil contabilização, como a quantidade e a natureza da matéria a teletransportar, ou as intensidades dos campos magnéticos e gravíticos dos pontos de origem e de destino, podendo variar, aproximadamente, entre um terço e um vigésimo do tempo necessário para um raio de luz percorrer o espaço entre os dois pontos.

Esta característica estava a despertar um grande interesse de algumas empresas pelos STTA. Pretendiam utilizar sistemas destes para oferecer aos seus clientes uma forma de viajar para o futuro, permitindo-lhes, a troco de uma avultada soma de dinheiro, a possibilidade de ‘saltarem’ para o futuro.

A nave em que se encontrava estava equipada com os dois sistemas de teletransporte. O STTA fora incluído pelo facto de não ser muito complexo e de, ao contrário do STTI, ocupar pouco espaço, proporcionando ao astronauta uma forma alternativa de regresso à Terra no caso de uma falha não recuperável no STTI.

Enquanto continuava à espera dos resultados do programa de testes e diagnóstico, olhou pelas janelas à procura de um ponto mais brilhante que lhe indicaria a proximidade de uma estrela, desejavelmente do Sol, mas a sua busca foi interrompida por mudanças no ecrã do computador. O programa de testes e diagnóstico indicava-lhe uma falha num dos componentes mais sensíveis do complexo sistema de teletransporte.

Desapertou os cintos de segurança que o seguravam à cadeira e flutuou para a parte de trás da nave até um painel marcado com STTI. Rodou dois manípulos, abriu o painel e entrou dentro de um compartimento lotado com complexos dispositivos, interligados por um emaranhado de cabos e tubos. Do lado direito, um pouco acima da sua cabeça, o dispositivo que o computador identificara estava visivelmente danificado.

Não teve dúvidas de que não tinha como reparar aquela avaria. Onde quer que estivesse, não poderia contar com aquele sistema para voltar à Terra.

(Continua)

domingo, 11 de janeiro de 2009

O viajante – parte I

Estava sem palavras enquanto olhava para aquele planeta deslumbrante. Já antes tinha visto imagens daquele mesmo planeta, obtidas pelas sondas que o tinham precedido, mas estar ali e poder vê-lo com os seus próprios olhos, ainda que a uma distância de quase um milhão de quilómetros, era uma experiência indescritível.

Um súbito chamamento do computador de bordo fê-lo voltar à realidade. Esta não era uma viagem de passeio, ainda tinha um rigoroso programa de tarefas a executar e, ao contrário do que gostaria, não podia ficar ali parado a apreciar a paisagem.

O computador pedia-lhe autorização para iniciar o teste exaustivo a todos os sistemas da nave. Sabia que ele próprio estava incluído nesses testes, e sabia que se não se despachasse a dar a autorização pretendida o computador entraria num modo de contingência executando um conjunto de tarefas, previamente programadas antes da partida, e que deveriam levar a nave imediatamente de volta à Terra. Apressou-se, por isso, a tocar no ecrã, dando a desejada ordem para retomar o curso normal de actividades.

Sabia que teria de responder a algumas perguntas feitas pelo computador e que as suas respostas, juntamente com os resultados dos testes aos restantes sistemas da nave e a um sem fim de registos de telemetria, seriam gravadas na memória de uma pequena cápsula que seria deixada ali mesmo, em órbita com aquele planeta gigante. Caso alguma coisa corresse mal e ele não conseguisse regressar à Terra, seriam enviadas sondas para recuperar aquela cápsula a fim de diagnosticar as eventuais causas de um acidente, incluindo a possibilidade de ele próprio não se encontrar no pleno exercício das suas faculdades físicas ou intelectuais.

Tinha também preparado algumas palavras de circunstância para assinalar a ocasião, as quais ficariam também gravadas. Nada que se assemelhasse às palavras, também de circunstância, que Neil Armstrong havia proferido no momento do seu primeiro passo na superfície lunar, pois ele nunca fora muito bom com as palavras, mas que, ainda assim, lhe pareciam apropriadas.

Depois de feitas as perguntas, dadas as respostas e proferidas as palavras de circunstância, vê a cápsula ser libertada e passar lentamente em frente à janela de vigia à sua esquerda, numa silhueta escura em forte contraste com o colorido das nuvens do planeta ao fundo. A forma ovalada e escura da cápsula contrasta com a forma perfeitamente redonda de um pequeno satélite natural e da sua sombra, também redonda, projectada nas nuvens do planeta ligeiramente abaixo do equador.

Faltavam agora menos de dois minutos para que fossem activados os sistemas que o levariam de volta à Terra. Dedicou aquele tempo à contemplação daquela paisagem que sabia ser muito improvável poder voltar a ver. Tomou de novo consciência da importância daquela missão, do que representava para a humanidade, para a exploração espacial e para ele em particular.

Sabia que tinha garantido o seu lugar nos livros de história como o primeiro homem a ser teletransportado para um lugar longe da Terra, o primeiro homem a estar a mais de trezentos anos-luz de casa, contornando os obstáculos impostos à exploração espacial pela impossibilidade de viajar a velocidades superiores ou próximas da velocidade da luz, resultantes da teoria da relatividade de Albert Einstein. Era verdade que antes dele várias sondas não tripuladas tinham feito viagens daquele tipo, e que depois das sondas não tripuladas se tinha seguido um pequeno macaco, ele sim digno das honras do primeiro ser vivo a ser teletransportado. Mas também a cadela Laika fora o primeiro ser vivo a viajar para o espaço e no entanto foi Yuri Gagarin quem ficou com as honras de primeiro herói espacial.

O computador de bordo assinala-lhe o início dos procedimentos para o teletransporte de regresso. Ao contrário do primeiro teletransporte, que o tinha levado directamente de uma sala do centro especial para aquele local, a viagem de regresso tinha de ser feita para uma órbita acima da Terra, pois a margem de erro na escolha precisa do local de destino, especialmente àquela distância, não permitia que o regresso fosse feito directamente para o local de onde havia partido.

Alguns ruídos surdos, uma ligeira vibração na nave e depois tudo volta a estar calmo. Assim tão simples, numa breve fracção de segundo e estava de volta. Olhou pelas várias janelas e para os vários monitores que lhe transmitiam imagens captadas por câmaras no exterior, e que lhe permitiam ter uma visão total à volta da nave, mas não conseguiu encontrar a Terra ou o Sol... Todas as imagens lhe mostravam os típicos pontos de luz das estrelas, mas sem quaisquer sinais da Terra, do Sol ou daquele deslumbrante planeta. Subitamente no ecrã do computador acende-se uma enigmática mensagem de erro…

(Continua)