terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O viajante – parte IV

(Continuação de O viajante – Parte I, Parte II e Parte III)

No ecrã do computador uma mensagem lembrava-o de que aquela estimativa era aproximada, e pedia-lhe instruções para teletransportar a nave para outro local, a fim de poder calcular uma triangulação para um cálculo mais exacto.

Talvez... talvez a estimativa estivesse, afinal, muito longe da realidade... talvez não estivesse tão desesperantemente longe da Terra... Sabia que esta era uma possibilidade muito remota, mas continuava a recusar-se a acreditar naquele cenário tão pessimista.

Sem perder tempo, deu as instruções necessárias para a utilização do STTA e configurou um destino a cerca de trinta dias luz dali. Era mais distante que o necessário para fazer um cálculo com a precisão adequada, mas ele queria ter a certeza.

Uma breve oscilação e uma súbita alteração dos padrões de pontos luminosos que entravam pela janela deram-lhe a indicação de que a operação de teletransporte se concluíra. Juntamente com a viagem no espaço tinha também viajado cerca de trinta e sete horas para o futuro. Uma insignificância face ao que o esperava se a primeira estimativa se confirmasse.

Olhou de novo para o exterior da nave. A mesma visão com que antes se deslumbrara parecia-lhe agora fria... grotesca... brutal!...

Na Terra, por esta altura, já teriam percebido que algo de errado se tinha passado com a missão. Provavelmente já teriam enviado uma sonda não tripulada para o local da missão, e talvez até já tivesse sido recuperada a cápsula de informação que ele lá deixara. Sabia, no entanto, que todos esses esforços em nada o poderiam ajudar a ele. Mesmo que a análise dos dados da cápsula permitisse identificar a avaria do STTI, dificilmente permitiria determinar a que local do espaço a nave tinha ido parar. Além disso, seriam necessários vários dias, ou talvez semanas, para analisar toda a informação da cápsula, e ele tinha já menos de cinquenta horas de oxigénio nos tanques da nave. Não podia, por isso, ficar à espera que o viessem resgatar. Estava sozinho, mais sozinho que algum outro homem alguma vez tinha estado.

Repentinamente vieram-lhe à memória as palavras e a expressão da mulher quando ele a informara, eufórico, que tinha sido escolhido para aquela missão, “Não vás, tenho medo!...”. Depois lembrou-se das filhas gémeas, no momento em que as abraçara e as levantara do chão para se despedir delas antes de partir para o período de quarentena que precedeu a missão.

Estas memórias foram interrompidas por uma alteração no ecrã do computador. O programa de cálculo da triangulação tinha terminado e a imagem mostrava-lhe já as novas coordenadas. Contrariamente ao que desejava estas coordenadas eram muito próximas da primeira estimativa. Não havia dúvidas de que estava muito longe da Terra.

A sua atenção foi, entretanto, desviada para outros dados. O programa de cálculo estava preparado para, depois de calculada a triangulação, programar automaticamente o sistema de teletransporte activo, neste caso o STTA, para levar a nave de volta a um ponto predefinido numa órbita em torno do Sol. A zona inferior do ecrã mostrava-lhe, juntamente com as coordenadas do ponto de destino e de outros parâmetros de configuração do STTA, um campo onde, dentro de poucos segundos, deveria aparecer a estimativa da data de chegada àquele ponto, medida em relação ao referencial da Terra.

A data apareceu, finalmente, e ele calculou mentalmente a diferença entre essa data e a data actual. A utilização do STTA implicava que chegaria à Terra mais de trinta e oito anos depois de ter iniciado aquela viagem... Bastavam agora algumas instruções muito simples para executar aquele teletransporte. Para ele essa viagem demoraria uma insignificante fracção de segundo, mas nessa mesma fracção de segundo passar-se-iam quase quarenta anos na Terra! Mais do que a idade que ele tinha!...

(Continua)

9 comentários:

Paula Raposo disse...

Eu estou a adorar ler! Está óptimo. Beijos.

mfc disse...

O texto vai lidando elegantemente com a noção de tempo.
Ora relativizando-o, ora mensurando-o.
Ora medir o tempo só é possível em termos convencionais. A realidade do Tempo, a sua dimensão verdadeira, terá que ser subjectiva... por isso é que ele para nós, tanto corre apressado, como se espraia lentamente!

lélé disse...

Lá vamos ter um pai mais novo que as filhas gémeas!...

ilhéu disse...

Continuo a viajar também. A solidão, o medo do indefinido, de não reencontrar os outros que ficaram, os segundos que são anos. N~~ao sei, mas todos nós temos a nossa nave espacial com problemas mecânicos. Abraço

Si disse...

Encontrei hoje o seu blog, pela visita ao meu espaço.
Agradeço os comentários e o link.
Quanto aos seus textos, prometo voltar para ler com calma esta escrita de um imaginário extra terrestre que noa transporta para a vida real e terrena.

Rui disse...

É o regresso ao futuro. Vamos todos!

Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Devaneante disse...

Amiga Fenix:

Excerto da parte II:

"Este tempo dependia de vários factores [...] podendo variar, aproximadamente, entre um terço e um vigésimo do tempo necessário para um raio de luz percorrer o espaço entre os dois pontos."

Portanto, 13 anos seria o melhor cenário (268/20=13,4), sendo que o pior corresponderia a 90 anos.

38 pareceu-me um bom número... encaixa bem naquilo que se vai passar na parte V...

Fenix disse...

Ok.
Obrigada por me esclareceres.
:-))
Já me tinha esquecido do 1/3...
Passei só a fazer as contas com o 1/20..., partindo das informações que deste na parte III.

Beijinhos
Fico a aguardar a continuação da aventura...
Quero ver a reacção das filhas a um pai mais jovem, mas com memórias mais antigas...
Depois de explorar o espaço e as inovações cientificas, fico à espera de explorar as reacções humanas...