domingo, 11 de janeiro de 2009

O viajante – parte I

Estava sem palavras enquanto olhava para aquele planeta deslumbrante. Já antes tinha visto imagens daquele mesmo planeta, obtidas pelas sondas que o tinham precedido, mas estar ali e poder vê-lo com os seus próprios olhos, ainda que a uma distância de quase um milhão de quilómetros, era uma experiência indescritível.

Um súbito chamamento do computador de bordo fê-lo voltar à realidade. Esta não era uma viagem de passeio, ainda tinha um rigoroso programa de tarefas a executar e, ao contrário do que gostaria, não podia ficar ali parado a apreciar a paisagem.

O computador pedia-lhe autorização para iniciar o teste exaustivo a todos os sistemas da nave. Sabia que ele próprio estava incluído nesses testes, e sabia que se não se despachasse a dar a autorização pretendida o computador entraria num modo de contingência executando um conjunto de tarefas, previamente programadas antes da partida, e que deveriam levar a nave imediatamente de volta à Terra. Apressou-se, por isso, a tocar no ecrã, dando a desejada ordem para retomar o curso normal de actividades.

Sabia que teria de responder a algumas perguntas feitas pelo computador e que as suas respostas, juntamente com os resultados dos testes aos restantes sistemas da nave e a um sem fim de registos de telemetria, seriam gravadas na memória de uma pequena cápsula que seria deixada ali mesmo, em órbita com aquele planeta gigante. Caso alguma coisa corresse mal e ele não conseguisse regressar à Terra, seriam enviadas sondas para recuperar aquela cápsula a fim de diagnosticar as eventuais causas de um acidente, incluindo a possibilidade de ele próprio não se encontrar no pleno exercício das suas faculdades físicas ou intelectuais.

Tinha também preparado algumas palavras de circunstância para assinalar a ocasião, as quais ficariam também gravadas. Nada que se assemelhasse às palavras, também de circunstância, que Neil Armstrong havia proferido no momento do seu primeiro passo na superfície lunar, pois ele nunca fora muito bom com as palavras, mas que, ainda assim, lhe pareciam apropriadas.

Depois de feitas as perguntas, dadas as respostas e proferidas as palavras de circunstância, vê a cápsula ser libertada e passar lentamente em frente à janela de vigia à sua esquerda, numa silhueta escura em forte contraste com o colorido das nuvens do planeta ao fundo. A forma ovalada e escura da cápsula contrasta com a forma perfeitamente redonda de um pequeno satélite natural e da sua sombra, também redonda, projectada nas nuvens do planeta ligeiramente abaixo do equador.

Faltavam agora menos de dois minutos para que fossem activados os sistemas que o levariam de volta à Terra. Dedicou aquele tempo à contemplação daquela paisagem que sabia ser muito improvável poder voltar a ver. Tomou de novo consciência da importância daquela missão, do que representava para a humanidade, para a exploração espacial e para ele em particular.

Sabia que tinha garantido o seu lugar nos livros de história como o primeiro homem a ser teletransportado para um lugar longe da Terra, o primeiro homem a estar a mais de trezentos anos-luz de casa, contornando os obstáculos impostos à exploração espacial pela impossibilidade de viajar a velocidades superiores ou próximas da velocidade da luz, resultantes da teoria da relatividade de Albert Einstein. Era verdade que antes dele várias sondas não tripuladas tinham feito viagens daquele tipo, e que depois das sondas não tripuladas se tinha seguido um pequeno macaco, ele sim digno das honras do primeiro ser vivo a ser teletransportado. Mas também a cadela Laika fora o primeiro ser vivo a viajar para o espaço e no entanto foi Yuri Gagarin quem ficou com as honras de primeiro herói espacial.

O computador de bordo assinala-lhe o início dos procedimentos para o teletransporte de regresso. Ao contrário do primeiro teletransporte, que o tinha levado directamente de uma sala do centro especial para aquele local, a viagem de regresso tinha de ser feita para uma órbita acima da Terra, pois a margem de erro na escolha precisa do local de destino, especialmente àquela distância, não permitia que o regresso fosse feito directamente para o local de onde havia partido.

Alguns ruídos surdos, uma ligeira vibração na nave e depois tudo volta a estar calmo. Assim tão simples, numa breve fracção de segundo e estava de volta. Olhou pelas várias janelas e para os vários monitores que lhe transmitiam imagens captadas por câmaras no exterior, e que lhe permitiam ter uma visão total à volta da nave, mas não conseguiu encontrar a Terra ou o Sol... Todas as imagens lhe mostravam os típicos pontos de luz das estrelas, mas sem quaisquer sinais da Terra, do Sol ou daquele deslumbrante planeta. Subitamente no ecrã do computador acende-se uma enigmática mensagem de erro…

(Continua)

9 comentários:

Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mfc disse...

É um cenário que poderá não estar tão longe como isso.
Cá estaremos (no blog, possivelmente não na vida...) para vermos isso.

Devaneante disse...

Fénix: A vinda foi idêntica ao regresso. É a nave que transporta os dispositivos que lhe permitem teletransportar-se.

Tiago R Cardoso disse...

gostei deste inicio de historia...

Gosto deste estilo e da ideia, como já deves saber.

Força, acompanharei a trama.

lélé disse...

Agora estou curiosíssima... Que erro terá ocorrido? Ter-se-á o computador enganado nos zeros e agora mandou o homem para os inícios do sistema solar?
A 300 anos-luz da Terra?... Em que direcção?

Tá muito porreiro este conto e o seu "suspinse"!...

ilhéu disse...

Fico a aguardar o teor do erro. Abraço

Rui disse...

Terá sido a célebre mosca, que voltou a fazer das dela? Talvez apenas o não menos famoso grão na engrenagem. Pareceu-me que onde ele foi ter (por decisão própria? superior? por acaso?), sendo um local belo, é também solitário.

Anônimo disse...

mas onde anda este viajante? já encontrou vida em outro planeta?
já conversou com alguém?
já fez a caricatura de algum ser?

Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.