quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Descoberta Indiscreta - parte I

Deixou cair o corpo cansado e encostou-se para trás, tanto quanto a cadeira lhe permitia. Finalmente um pouco de sossego e de descanso na solidão do seu gabinete! Tinham sido três semanas completamente alucinantes. As três semanas mais compridas e mais gratificantes da sua vida! Três semanas de conferências, palestras, entrevistas, mais conferências, mais palestras, mais entrevistas… Aqueles momentos que antecederam a descoberta pareciam-lhe agora estranhamente distantes no tempo, como se tivessem passado três anos.

Conseguira! Durante mais de vinte e dois anos tinha trabalhado arduamente na incerteza de conseguir encontrar o que procurava! Mas encontrara!... E todo esse esforço lhe parecia agora sobejamente compensado. O Prémio Nobel da Física estava garantido, seria tão consensual e tão fácil de atribuir, como nenhum outro antes fora. Na realidade, a descoberta que tinha feito era tão extraordinária, com um tão grande potencial de aplicabilidade, que bem poderia merecer também outros prémios de outras áreas… o Nobel da Medicina, por exemplo, tal era o potencial da sua descoberta em novos meios de diagnóstico e de tratamento.

Mas havia um preço a pagar!... A privacidade que tanto apreciava estava irremediavelmente perdida. As implicações da sua descoberta tinham-no atirado para uma incontrolável exposição mediática, tornando-o, num abrir e fechar de olhos, numa das caras mais conhecidas do mundo, quem sabe se não mesmo a mais conhecida. Deixaria de poder passear-se anonimamente numa qualquer rua, em qualquer lugar do mundo.

Mas estava demasiado cansado para se preocupar com isso agora. Haveria muitas outras oportunidades para pensar nesta e noutras questões pertinentes, por isso foi permitindo que o pensamento se esvaziasse pouco a pouco...

Uma subtil vibração no bolso do casaco arrancou-o da letargia que fora tomando conta de todo o seu corpo, e que sub-repticiamente o ia arrastando para um sono indiferente ao desconforto da cadeira.

A bem da tão apreciada privacidade optava por usar o telemóvel apenas para se comunicar com um circulo muito restrito de familiares e amigos mais chegados, por isso calculou que seria a sua companheira a enviar-lhe um SMS, tentando saber, sem causar interrupções embaraçosas, se o dia já tinha terminado ou se, pelo contrário, ainda se demorava.

Mas não, para sua surpresa, o SMS tinha-lhe sido enviado pelo seu velho amigo dos tempos do CERN: “Can you now give some attention to my email?”

Lembrou-se então da mensagem de correio electrónico que o seu amigo lhe tinha enviado há quase duas semanas. A mensagem referia-se a qualquer coisa relacionada com a aplicação da sua descoberta em determinadas condições, mas na loucura daquelas semanas não tinha tido tempo para analisar melhor, e já quase tinha esquecido o assunto. Pelos vistos ele não se tinha esquecido, e esta mensagem, enviada precisamente nesta altura, era a prova clara de que o amigo tinha acompanhado pacientemente o desenrolar das últimas semanas e, consciente de que o pior já teria passado, cobrava-lhe agora um pouco de atenção.

(Continua)

Um comentário:

(ex)pressoes disse...

È nas coisas verdadeiras que aparece o improvavel do que julgamos provavel..