quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O viajante – parte VII

(Continuação de O viajante – Partes I, II, III, IV, V e VI)

Pegou no envelope e ficou ali a olhar para ele durante algum tempo. Imaginava o que estava escrito naquela carta e por isso mesmo ponderava se queria abri-la, ou se preferia ignora-la. Certamente ela teria decidido escrever-lhe quando, depois de se ter cansado de o esperar, se decidira a refazer a sua vida. Naquela carta encontraria as justificações que já imaginava, e as quais compreendia perfeitamente. Encontraria também o pedido para ele não a procurar, evitando assim abrir as feridas mal curadas daquela espera e daquela decisão que fora obrigada a tomar...

Foi interrompido nestes pensamentos por alguém que batia à porta da sala. Antes que pudesse mandar entrar já a porta se abria, mostrando-lhe a cara da mulher que vira sentada do lado de fora.

“Desculpe incomodá-lo, mas achei que talvez quisesse tomar alguma coisa, uma água ou um sumo... e uns bolinhos...” e ficou a olhar para ele, com um sorriso simpático no rosto.

A intensidade do turbilhão de emoções por que tinha acabado de passar tinham-no levado a ignorar os sinais do seu próprio corpo. Precisou, por isso, de alguns segundos para raciocinar sobre a oferta que acabara de lhe ser feita. “Sim, de facto uma água seria bem vinda... e talvez aceite também alguns desses bolinhos... fiquei curioso para saborear o resultado destes quase quarenta anos de evolução na arte da confeitaria...”

Ela sorriu mais abertamente e entrou na sala, dirigindo-se a uma porta na parede do lado esquerdo. De dentro do armário retirou dois copos, duas garrafas de água, alguns pacotes com imagens de frutas, algumas embalagens pequenas de diversos tipos, e alguns guardanapos de papel. Depois, recuperando o sorriso simpático entrelaçou as pontas dos dedos e, olhando-o de frente, disse-lhe: “Se precisar de mais alguma coisa não hesite em chamar-me.”

Ia já junto à porta quando ele falou: “Sabe quem eu sou?”

Ela voltou-se para ele e respondeu: “Claro que sim. O senhor é uma das pessoas mais conhecidas da actualidade.”

“A sério?... e eu que, por momentos, achei que se poderiam ter esquecido de mim!...”

Ela entretanto tinha-se aproximado de novo e olhava-o agora com uma cara mais séria.

“De modo nenhum, o senhor teve um papel importantíssimo no desenvolvimento dos sistemas de teletransporte e foi o primeiro homem a ser teletransportado para fora do nosso sistema solar. Depois, nessa mesma viagem, teve um problema com o sistema de teletransporte e foi obrigado a usar o sistema alternativo, o que implicou uma viagem no tempo de mais de trinta e oito anos. Acabou de chegar dessa viagem.

Além disso, o senhor continua a ser uma das poucas pessoas que teve a possibilidade de viajar no tempo.”

“Como assim?... foi detectado algum problema com essa tecnologia?”

“Não, pelo contrário, a tecnologia funciona muitíssimo bem, mas os responsáveis mundiais consideraram que seria perigoso permitir esse tipo de viagens, devido aos potenciais problemas na coordenação e na recepção desses passageiros no momento do regresso, e ao perigo de muitas pessoas importantes e poderosas viajar para o futuro, criando problemas de vazio no presente. Por isso foram aprovadas leis proibindo esse tipo de viagens.”

Ele ficou ali a olhar para ela, sem saber o que dizer, enquanto mastigava o conteúdo de um dos pacotes que ela lhe tinha colocado em cima da mesa. Foi ela quem retomou a palavra:

“A sua viagem teve início a vinte e dois de Abril, desde essa altura que esta data e a data de vinte e dois de Outubro são assinaladas, especialmente pelos seus amigos e familiares que continuam a reunir-se no terminal de onde partiu para essa viagem.”

“Duas vezes por ano?... não chegaria uma?...”

“A seu tempo compreenderá as razões”, disse sorrindo. ”Os principais dinamizadores desses encontros começaram por ser os seus pais e os seus irmãos, aos quais se juntaram os seus amigos.”

“Os meus pais e os meus irmãos...” fez uma pausa ”que é feito deles?”

(Continua)

8 comentários:

Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paula Raposo disse...

Não sei que diga, só que estou a adorar este viajante e que ler-te-ei sempre...está uma maravilha. Muitos beijos.
P.S.-Não faço futurologia, nem sequer tenho a imaginação da Fénix...o que eu penso é que esta história nunca poderá ter final.

Lita disse...

AIIIIIII!!!!
Tão pequenino.... ;)
Estou a amar!!!!!!

Si disse...

Bem, resignada, lá vou eu deste blog com uma sensação de água na boa, à espera de mais iguarias para degustar....

Rui disse...

Sabe do futuro, sem nada saber do presente.

lélé disse...

O homem está mesmo com um pé no passado e outro no futuro!... "Procura-se: presente, vivo ou morto"
Dás-nos a vlta ao miolo! A gente a pensar que ia ficar tudo esclarecido!... Mas, é verdade, isso de andar para o passado e para o futuro tem que se lhe diga!...
Ficamos contentes, porém, em saber que a indústria dos lenços de papel não vai à falência, portanto, é possível que a preocupação com o meio ambiente também não venha a falir, ou falhar...

ilhéu disse...

Continuo à espera do grande embate com o passado. Eu e toda a gente. Abraço