quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O viajante – parte VI

(Continuação de O viajante – Partes I, II, III, IV e V)

Após alguns segundos de desorientação apercebeu-se do que se estava a passar. Percebeu que nenhuma força puxava a nave para cima, em vez disso a mesma aceleração puxava-os, a ele e à nave, para baixo. Tinha acabado de ser teletransportado do local onde se encontrava, em órbita com o Sol, directamente para algum lugar na Terra e o que sentia era apenas a força da gravidade.

Sentiu alguma agitação no exterior da nave. A cara de um homem surgiu-lhe na janela à sua esquerda, perscrutando o interior da nave e, finalmente, fixando o olhar nele. Depois o homem fez-lhe sinal com a mão para que saísse da nave.

Moveu-se muito lentamente. Apesar de ter passado apenas alguns dias na situação de imponderabilidade, o súbito retorno à gravidade normal da superfície da Terra fazia com que se sentisse muito pesado e desajeitado.

Abriu a porta e saiu lentamente da nave. O homem que vira pela janela afastava-se para um dos lados da sala, enquanto por uma porta aberta à sua frente um outro homem, vestido de forma mais distinta que o anterior, se dirigia a ele mostrando um largo sorriso. “Capitão, é uma enorme honra recebê-lo de volta aqui na Terra”. Fez uma pausa enquanto lhe estendia a mão aberta que ele se apressou a apertar, balbuciando um tímido e quase imperceptível “Obrigado”.

Sou o responsável actual da Agência Espacial e foi com grande entusiasmo que recebi a notícia de que tinha sido detectado o seu sinal de SOS. Como deve saber, muito tempo se passou aqui na Terra desde a sua viagem pioneira. Muito se escreveu e se especulou a seu respeito ao longo destes anos, mas a maioria dos peritos, e das pessoas em geral, sempre acreditou que o senhor haveria de regressar um dia.”

Tentou encontrar algumas palavras para responder, mas nada lhe ocorreu naquele momento. Alimentava ainda a vaga esperança de que não se tivessem, afinal, passado tantos anos, e de que o computador e o sistema de teletransporte a bordo da sua nave tivessem errado o cálculo da data de chegada. Mas não, tudo indicava, pelo discurso daquele homem, que se tinham passado aqueles anos todos. E com a perda desta última réstia de esperança, fugiam-lhe também as palavras.

Imagino a forma como se sente...” Continuou o homem, sentindo o embaraço em que ele se encontrava. Depois, encarando-o com uma expressão mais séria, prosseguiu, “Imagino que não seja fácil entender que se tenham passado quase quarenta anos aqui na Terra, quando para si se passaram apenas alguns dias. Mas não se preocupe, vai ter algumas surpresas boas, vamos ajuda-lo a adaptar-se a este novo mundo, vamos ajuda-lo a viver uma vida feliz.”

O homem colocou-lhe a mão esquerda sobre o seu omoplata direito, num gesto que o encaminhava pela porta aberta. Avançou e passou pela porta, depois o homem indicou-lhe uma outra porta, que uma jovem, vestida com um uniforme não muito diferente do que vestia o homem que o tinha espreitado pela janela da nave, se prontificou a abrir carregando num botão. Enquanto passava por ela a jovem dirigiu-lhe um sorriso genuíno e simpático ao qual ele se sentiu obrigado a corresponder. Entraram ambos numa cabine em tudo idêntica à cabine de um elevador. A porta fechou-se atrás deles e o homem introduziu algumas instruções num ecrã cheio de estranhos símbolos e números.

Enquanto a porta se abria para um corredor de aspecto muito diferente daquele que ali estava há apenas alguns segundos atrás, o homem voltou a falar, “A tecnologia de teletransporte veio revolucionar todos os meios de transporte do planeta. Deixaram de existir carros, comboios, barcos e aviões, pois deixaram de ser necessários. Por exemplo, agora mesmo acabamos de ser teletransportados de um dos vários terminais da Agência Espacial para os escritórios centrais, a mais de mil quilómetros de distância.

Avançaram pelo corredor em direcção a uma secretária onde uma mulher bonita, de uns trinta a trinta e cinco anos, mexia as mãos por entre um emaranhado de estranhas imagens que se iam movendo elegantemente à sua frente. Certamente um computador moderno, sem teclado, e sem monitor, apenas um conjunto de imagens virtuais suspensas e com as quais aquela mulher parecia brincar habilmente. Apercebendo-se da presença deles a mulher parou o que estava a fazer, e olhou-os dirigindo-lhes um largo sorriso.

O homem abriu uma porta à esquerda da mulher e convidou-o a entrar. Entraram para uma sala ampla e muito bem iluminada pelo azul profundo de um céu sem nuvens que entrava pelas janelas que ocupavam por completo uma das paredes. Do lado de fora da janela era também visível um relvado bem tratado e, mais ao fundo, uma praia e um mar calmo a perder de vista. Dentro da sala uma mesa de grandes dimensões, rodeada de cadeiras de aspecto confortável, ocupava grande parte do espaço.

Seguindo a indicação do homem, sentou-se numa das cadeiras mais próximas da janela. O homem, permanecendo de pé, voltou a falar. “Seguindo as normas e os procedimentos actuais da Agência, o senhor terá de ser observado por um grupo de médicos. Não que se suspeite que alguma coisa esteja menos bem com a sua saúde, mas porque a isso obrigam as normas e os procedimentos a que me referi. No entanto, achei que antes disso seria interessante para si receber uma coisa que há muito lhe foi dirigida. Demore o tempo que achar necessário, a minha secretária vai ficar à espera que o senhor lhe diga quando estiver pronto para prosseguir.

O homem meteu a mão num dos bolsos do casaco e retirou de lá um envelope branco que colocou à frente dele, em cima da mesa. Depois virou-se e saiu fechando a porta.

No envelope à sua frente estava escrito o nome dele, na inconfundível caligrafia da sua mulher e mãe das suas filhas.

(Continua)

7 comentários:

Paula Raposo disse...

Deveras emocionante esta história. Desde o princípio fascinante. Estou a adorar. Beijos.

Fenix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lita disse...

Ai... eu não acredito que tu paraste aqui....
:)
Estou a adorar!

ilhéu disse...

Eu sou persistente. Só espero que o envelope não seja uma carta de despedida e que elas vagueiem no espaço à sua procura. Mas pelo menos teria a vantagem de terem todos a mesma idade. Ou não? Abraço

lélé disse...

Casou-se... Fartou-se de esperar pelo marido e deu-se por viúva...

E ele a pensar: "Estas mulheres, sempre tão impacientes! Não me posso ausentar uma semanita, já acham que morri!"

Não... Na verdade, proporcionas-nos uma especulação muito boa para encontrar o caminho directo para o manicómio!...

Si disse...

O enredo está a complicar-se.
A evolução da história ainda terá muito para contar, aposto...

mfc disse...

Agora o enredo começa a ter mais personagens... cá vamos continuando a ver no que tudo isto vai dar.